
Alergia alimentar: meu filho tem mesmo?
Você deu um iogurte pro seu filho e, pouco tempo depois, ele teve manchas vermelhas no corpo. Ou, comeu ovo e teve dor de barriga e recusa alimentar. De repente, vem o alerta: “acho que ele tem alergia!”. Mas… será mesmo?
Alergia alimentar é um tema cercado de dúvidas, especialmente quando os sintomas são inespecíficos. Nem todo exame “positivo” é sinal de alergia, e muitas vezes o que parece uma reação alérgica pode ser algo completamente diferente. Vamos entender melhor?
Afinal, o que é alergia alimentar?
A alergia alimentar é uma resposta do sistema imunológico a uma proteína presente em determinado alimento. Essa reação deve ser reprodutível, ou seja, acontecer sempre que o alimento for ingerido, e pode ser imediata ou tardia.
- Alergia mediada por IgE: os sintomas costumam surgir rapidamente (minutos até 2 horas) após a ingestão ou contato do alimento. Acontece a interação entre a proteína do alimento e o anticorpo IgE. É o tipo que pode causar urticária, vômitos imediatos, inchaço nos lábios e, em casos mais graves, anafilaxia.
- Alergia não mediada por IgE: as reações aparecem horas ou até dias depois da ingestão. Acontece a interação da proteína do alimento com células do sistema imunológico localizadas no intestino, não envolvendo a IgE! São manifestações mais persistentes, como vômitos recorrentes, diarreia crônica, sangue nas fezes e perda de peso. Esse tipo de alergia pode passar despercebida por mais tempo.
IgE positivo: isso significa que meu filho tem alergia?
Nem sempre!
Ter um teste IgE positivo para um alimento significa que houve sensibilização – ou seja, o sistema imunológico reconheceu aquela proteína como potencialmente perigosa. Mas isso não significa, necessariamente, que a criança vai ter uma reação ao ingerir o alimento!
📌 Sensibilização (exame positivo) ≠ Alergia.
De acordo com estudos publicados no JACI in Practice, muitas pessoas com testes positivos para leite, ovo ou amendoim nunca apresentaram sintomas ao consumir esses alimentos. O teste sozinho, portanto, não é diagnóstico de alergia.
É por isso que o diagnóstico não pode se basear apenas em exames. Ele deve começar com uma boa história clínica, considerando:
- Qual alimento foi ingerido?
- Quanto tempo depois surgiram os sintomas?
- Os sintomas sempre se repetem?
- Houve melhora com a retirada do alimento?
- Outras causas foram investigadas?
Alguns sintomas que podem indicar alergia alimentar:
- Pele: urticária (placas vermelhas que coçam), dermatite atópica acentuada.
- Gastrointestinais: vômitos repetidos, diarreia, sangue nas fezes, dor abdominal, recusa alimentar.
- Respiratórios: tosse, chiado, falta de ar (geralmente acompanhados de outros sintomas).
- Anafilaxia: vermelhidão, coceira, inchaço, vômitos, dificuldade para respirar, queda de pressão e, nos casos mais graves, perda de consciência.
Se o seu filho teve reação repetida e consistente após um alimento específico, é hora de procurar um especialista.
Diagnóstico: como confirmar se é mesmo alergia?
Além da história clínica e exame físico, o alergista pode usar alguns recursos para avaliar a possibilidade de alergia alimentar:
- Testes cutâneos (prick test): mostram se há sensibilização imediata ao alimento. São úteis para alergias mediadas por IgE.
- Dosagem de IgE específica no sangue: mede o nível de anticorpos contra o alimento suspeito. Quanto maior o valor, maior a chance de reação – mas não é regra. Pode haver falso-positivo.
- Dietas de exclusão e reintrodução: em casos de alergias não-IgE, pode-se excluir o alimento por algumas semanas e depois reintroduzir para observar se os sintomas retornam.
Lembrando que os exames devem ser guiados pela história clínica! Deve-se haver sintomas para a realização dos exames específicos.
O padrão-ouro: o teste de provocação oral (TPO)
Quando há dúvida, o teste de provocação oral (TPO) é o exame mais confiável. Nele, a criança consome o alimento suspeito, em doses progressivas, sob supervisão médica.
Há três formas de realizar o TPO:
- Aberto: todos sabem que o alimento está sendo testado.
- Simples-cego: o paciente não sabe o que está comendo, mas o médico sabe.
- Duplo-cego, placebo-controlado: nem o paciente nem o médico sabem se é o alimento ou um placebo – é o método mais rigoroso, usado em centros de referência e estudos clínicos.
O TPO é seguro quando bem indicado e realizado em ambiente preparado. Ele evita diagnósticos errados e permite a reintrodução de alimentos antes excluídos injustamente da dieta.
E se for confirmado?
O tratamento principal é a exclusão rigorosa do alimento, com orientação nutricional adequada. Também é essencial:
- Aprender a ler rótulos de alimentos e medicamentos.
- Verificar se há tolerância a alimentos assados, no caso de leite ou ovo (muitas crianças reagem ao leite puro, mas toleram bolo com leite cozido, por exemplo).
- Ter um plano de ação para emergências, com acesso rápido à adrenalina injetável em caso de anafilaxia.
- Em alguns casos, pode-se discutir imunoterapia oral, ainda restrita a centros especializados.
E quando não é alergia?
É muito comum confundir alergia com intolerância alimentar. A intolerância, como a intolerância à lactose, não envolve o sistema imunológico. Ela acontece por outros mecanismos, como a falta de uma enzima que ajuda na digestão. Também é comum confundir reações a alimentos ácidos (como tomate e laranja) com alergias, mas muitas vezes trata-se apenas de uma irritação local!
Outro diagnóstico que vez ou outra é confundido com alergia alimentar ou medicamentosa é a urticária crônica! A história clínica vai ajudar diferenciar!
Alergia alimentar é um diagnóstico que exige cuidado, critério e evidência científica. Excluir alimentos com base apenas em exames ou sintomas genéricos pode levar a restrições desnecessárias! A retirada desnecessária de alimentos pode comprometer o crescimento e o desenvolvimento da criança, além de impactar negativamente a vida da criança e da família.
Por isso, se há suspeita de alergia, procure um alergista. Ele é o profissional mais preparado para orientar, investigar e cuidar com segurança do seu filho.
✨ Diagnóstico certo é sinônimo de liberdade com saúde. Não rotule sem ter certeza!